No decorrer deste artigo, serão discutidas orientações sobre o processo de Transcrição Fonográfica em arquivos de áudio e/ou vídeo, quanto a sua preparação para o processo de exame, por meio de metodologias capazes de estabelecer normas, objetivando diversos fatores e seus efeitos para a adequada condução pericial.

O exame de Transcrição Fonográfica em áudios e/ou vídeos, se faz por meio de um processo complexo, através de metodologias científicas, é trabalhoso e demorado, requer tempo, dedicação, paciência, bom e vasto vocabulário, bem como domínio da língua trabalhada.

“Transcrição Fonográfica consiste na transposição da oralidade para o meio gráfico, e no âmbito pericial, possui por propósito em se produzirem provas periciais para a elucidação, autoria e materialidade em diversos crimes.” – oliveiraperito.com.br

Cabe considerar, a necessidade de o procedimento ser realizado por pessoa que detenha “expertise” sobre determinada área do conhecimento, em especial nos casos que envolvam a comunicação humana, que comprovem conhecimento nas áreas da sintaxe, semântica, morfologia, lexicologia, dialetologia, sociolinguística, psicolinguística, além da fonética articulatória e da fonética acústica.

O processo de transformar o discurso oral em palavras escritas possui um conjunto diversificado de desafios, que poderão ser amenizados com um planejamento cuidadoso e rigoroso durante a análise pericial. Considerando que as orientações práticas remetem para diferentes aspetos do processo de transcrição existe a necessidade na padronização do processo, pois tanto a “fala” quanto a “escrita” possuem características individualizadoras para cada pessoa. Portanto a transcrição, não se trata de um processo mecânico, pois depende da sensibilidade do transcritor na interpretação do material questionado, o que em via de regra, causa inúmeras diferenças (inclusive de contexto), em um mesmo trabalho quando transcrito por diferentes profissionais.

Ainda, neste sentido, a tarefa em transcrever para o meio ortográfico perpassa por elementos diversos, tais como fenômenos linguísticos, segmentações e suas fronteiras, pistas entonacionais, lexicalizações e gramaticalizações.

Por meio dos conhecimentos adquiridos através do livro “Análise Fonético-Forense – Uma Tarefa de Comparação de Locutor”, bem como por meio dos cursos “Fonética e Fonologia para a Prática da Transcrição” e “Metodologia para Transcrição”, ministrados pela Ms. Ana Paula Sanches, fonoaudióloga com atuação no Ministério Público do Estado de São Paulo, onde é gestora do Núcleo de Computação, Educação e Fonoaudiologia Forense, também coautora no comentado livro. Objetiva-se em estabelecer regras durante o trabalho pericial, visando a necessidade na normatização, através de procedimentos de análise auditiva e acústica embasadas para contextos forenses, bem como na tradução da linguagem oral para a escrita, por meio de mecanismos de transcrição (metodologias).

Fonética e Fonologia

Durante os cursos ministrados pela Ms. Ana Paula Sanches, foram abordados conceitos de amplo domínio para os profissionais na área de Fonoaudiologia, objetivando na identificação dos elementos caracterizadores individuais de locutor. Estes conceitos são abordados visando a necessidade e entendimento por parte do transcritor, em compreender os fenômenos de construção da fala do interlocutor, estudados por meio da Fonética e Fonologia.

Fonética envolve o uso de medidas acústicas, em particular espectrogramas ou medidas articuladoras, para caracterizar os sons emitidos pelos humanos durante a fala, em sua concepção por meio dos órgãos Ativos/Dinâmicos e Passivos/Estáticos relacionados a mecânica articulatória na produção da fala, sendo estes subdivididos em Fonética Articulatória, Auditiva, Acústica e Instrumental.

Fonologia envolve a tentativa de transcrever, de forma gramatical, os padrões de som, estuda a maneira como os sons se organizam em uma linguagem, como a estrutura silábica, os acentos e entonações. Este é um campo de estudo de fundamental importância não apenas para a transcrição, mas principalmente quando na necessidade em proceder com exame de em Comparação de Locutor, por meio dos fenômenos linguísticos.

Fenômenos Linguísticos

Inserido ao contexto de Transcrição Forense em exames de Comparação de Locutor, a análise por meio dos fenômenos linguísticos possui como principal objetivo em estabelecer a identidade linguística do locutor e da comunidade linguística a que pertence, destacar e descrever fenômenos considerados idiossincráticos do locutor analisado, ou seja, aqueles fenômenos que potencialmente o individualizam.

Usualmente utilizado quando na tarefa de comparação de locutor, uma vez que permitem identificar aspectos relacionados a estruturação do discurso, bem como o dialeto, socioleto e sotaque.

 São variações que acrescentam, diminuem ou mudam os sentidos de determinadas palavras ou simplesmente dão origem ao surgimento de novos termos em um intervalo de tempo. Acontecem dependendo dos diferentes grupos sociais, das diferentes regiões e de diferentes graus de escolarização. Logo, pode-se dizer que a variação na língua está relacionada ao caráter social e regional dos falantes, como os fenômenos linguísticos de Alçamento de Vogais, Assimilação, Metátese, entre outros.

Prosódia: Ritmo de fala (estética da fala) é a parte da linguística que estuda a entonação, o ritmo, o acento (intensidade, altura, duração) da linguagem falada e demais atributos correlatos na fala. A prosódia descreve todas as propriedades acústicas da fala que não podem ser preditas pela transcrição ortográfica (ou similar); em resumo, é uma parte da fonética que trata da correta acentuação tônica das palavras. 

Articulação: A velocidade representa a fluência da fala e relaciona-se com a coordenação e o controle da corrente de ar e articulação dos sons da fala. (BEHLAU, 2001). O ritmo ou velocidade de fala normalmente está na faixa de 130 a 180 palavras por minuto; deve-se procurar uma velocidade média.

Transcrição, Degravação, Textualização

A transcrição, textualização, ou degravação, como é conhecida no ambiente jurídico, são procedimentos comumente realizados na análise de áudios e/ou vídeos decorrentes de gravações particulares, interceptações telefônicas, etc.

Entre as terminologias comumente utilizadas quanto a atividade de transcrição, a seguir estão citadas e descritas as principais diferenciações entre elas:

Degravação/Transcrição integral ou Transcriçao verbatin Tudo é transcrito, incluído erros cometidos (sem corrigi-los), pausas, hesitações, repetições entre outros detalhes normalmente não encontradas na língua culta. Texto resultante pode não ter fluência, coesão, coerência e correção. Mantendo na integra o conteúdo fonêmico e traços de prosódia. Utilizada para fins jurídicos.

Transcrição corrigida – Eventuais erros cometidos são ignorados. Não há indicação de pausas, hesitações ou detalhes incomuns da língua culta. O texto resultante é mais fluente e gramaticalmente correto. Ideal para quem o lê, pois está corrigido, mas para a justiça “não é real”, pois neste caso o que importa é exatamente o que foi “dito” independente de erros.

Transcrição ipsi literins ou ipsis verbis : Está relacionado com a reprodução literal da linguagem escrita e textual, uma referência direta ao significado desta expressão: “pelas mesmas letras”. Quando um texto é transcrito fielmente ao seu original.

 Textualização: Tem como resultado uma narrativa escrita das intenções comunicativas do falante. Estudos sobre a contribuição da textualização e/ou da transcrição em determinado material de áudio podem orientar a justiça na solicitação de um ou outro procedimento, dependendo da natureza do processo em questão. A solicitação pontual pode acelerar os processos, beneficiando o poder judiciário.

Orientações Práticas

Em sua grande maioria, os arquivos questionados impõem dificuldades para o trabalho pericial, devido a sua qualidade no contexto de obtenção. Via de regra os arquivos questionados possuem características, como baixa relação sinal-ruído, sobreposição de vozes, presença de ruídos ambientes. Assim, é preciso que a condução da análise destes materiais, tome como base as condições e propriedades específicas de cada gravação, evitando que a extração dos dados acústicos leve a resultados errôneos.

Etiquetagem Acústica

 Trata-se da seleção do material tem como uma das etapas de avaliação de qualidade acústica, que consiste em um processo de etiquetagem dos áudios de acordo com as propriedades acústicas. Esta avaliação inicial é realizada por meio da oitiva por parte do perito, aonde serão identificados aspectos passíveis de exploração tanto do ponto de análise perceptiva quanto acústica para o material questionado. Inicialmente, pode parecer uma atividade de menor relevância no processo pericial, porém, a partir da classificação ao material pode-se nortear o trabalho pericial.

Por meio do software Praat, é possível efetuarmos a análise visual no material questionado, possibilitando o cálculo da relação sinal-ruído, bem como na visualização da “curva de frequência fundamental”, “formantes de vogais” e fricativas

Quando na conclusão da percepção inicial, o material deverá ser etiquetado por meio de uma planilha (Classificação de Qualidade Acústica) estruturada em oito critérios, o material será classificado oferecendo diretrizes gerais quanto ás possibilidades em termos de análises posteriores.

Estas etiquetas classificam o material questionado em cinco tipos de qualidade acústicas, divididas na escala entre A, AB, B, BC ou C, onde um material de excelente qualidade recebe a etiqueta “A”, enquanto um material de baixíssima qualidade “C”, com variantes entre elas que determinam a possibilidade de determinadas análises acústicas e/ou auditivas.

Elementos para a transcrição

 Como forma de se aproximar o mais fiel possível quando as elementos produzidos na fala, no que se refere a transcrição, faz-se necessário deixar de lado as normas ortográficas padrão, e utilizar certas convenções destinadas à transcrição de fenômenos ligados ao caráter pragmático da situação conversacional, tais como entonação, auto-correções, pausas, trocas de turno, simultaneidade das falas, alongamentos de vogais, truncamentos bruscos, entre outros fenômenos ligados à comunicação interpessoal. Outras informações periféricas necessitam ser observadas: o papel dos interlocutores, as características do informante (idade, sexo, nome, profissão), os gestos e ruídos produzidos durante a interação.

Como forma de exemplificar o padrão adotado para a prática da transcrição integral, foi executado a transcrição em um trecho do áudio gravado pelo empresário Joesley Batista em conversa com o ex-presidente Michel Temer em Março de 2017.

Joesley Batista:  Queria::: primeiro dizê o seguin/… tamu junto ai… que o senhô precisá de mim… [viu?

Michel Temer:    [(XXX) tá bom.

Joesley Batista:   [Me fala… =

Michel Temer:   [Tá.

Joesley Batista:  = éh:::

Michel Temer:    Tá… só esperá passá essa [fase (?).

Joesley Batista:  [Queria ti ouvi um pouco presidente… como é que tá… como é que o senhô tá nessa situação toda aí do Edua:::rdo… [num sei o que… (XXX)…

Diferentemente do padrão utilizado na prática de transcrição vinculada nos telejornais, quando, via de regra, é empregado o padrão de Transcrição corrigida, de maneira a facilitar a interpretação por parte do telespectador.

Conclusão

Para além das propostas anteriormente comentadas, as normas utilizadas no presente artigo, possuem um maior grau de complexidade, quando na metodologia proposta no livro “Análise Fonético-Forense – Uma Tarefa de Comparação de Locutor”, uma vez que por meio deste há o detalhamento profundo no processo de Transcrição Forense, visando preencher uma lacuna observada quanto da apresentação dos resultados nas demandas judiciais que tem por objetivo a análise de materiais resultantes de áudio e vídeo.

Independente da discussão nos tribunais da transcrição ser prova pericial ou documental, existe a necessidade em sua padronização na exposição do conteúdo transcrito, permitindo que os operadores do Direito possam comparar palavras, frases ou trechos apresentados em relatórios policiais, pareceres técnicos ou laudos periciais de maneira direta e eficaz. Portanto, a construção de normas que auxiliem os analistas na transcrição de material de fala permite que a informação, enquanto prova, permeie diversos institutos de maneira mais uniforme.

Referências

OliveiraPerito. Transcrição Fonográfica. Disponível em: <http://oliveiraperito.com.br/transcricao-fonografica>. Acesso em Nov/20

SANCHES, Ana. Fenômenos Linguísticos: Curso Fonética e Fonologia para a Prática da Transcrição, out/2019.

SANCHES, Ana. Transcrição, Degravação, Textualização: Curso Metodologia para Transcrição, out/2019.

BARBOSA et al., Análise Fonético-Forense em tarefa de Comparação de locutor – 1 ed. Campinas: Editora Millennium, 2020.

DIANA, Rafaela. Fonética e Fonologia. diferenca.com. Disponível em: <https://www.diferenca.com/fonetica-e-fonologia>. Acesso em: dez/2019.

BEHLAU, Mara. Articulação ou dicção – A voz da liderança. portaleducacao.com.br. Disponível em: <https://www.portaleducacao.com.br/conteudo/artigos/lideranca/articulacao-ou-diccao-a-voz-da-lideranca/33647>. Acesso em: dez/2019